*Por Edson Luiz Peters
A mesma água que falta para muitos para atender necessidades prementes da vida sobra para outros em forma de enchentes e inundações que assolam cidades e Regiões Metropolitanas, provocando tragédias com incontáveis danos e mortes.
O que parece ser um problema distante para quem olha o planeta é um drama diário para quem vive ou sobrevive no sertão árido ou nas regiões atingidas pelas secas no interior do Brasil, igualmente causadoras de prejuízos irreparáveis. Eis a contradição que vivemos em tempos de mudanças climáticas: a água que sustenta a vida também pode prejudica-la e até causar a morte.
Bem considerado abundante num país naturalmente rico, vai se escasseando e se tornando caro na medida em que as cidades crescem e se formam metrópoles. A qualidade de vida de uma cidade ou região é diretamente proporcional à disponibilidade e ao estado das águas que a irrigam.
A analogia é simplista, mas serve de inicial alerta: para se saber o estado de saúde de um indivíduo o primeiro exame que o médico costuma requisitar é sanguíneo, pois a composição do sangue evidencia liminarmente a presença ou ausência de alguma doença ou carência que compromete a saúde geral do paciente. Assim é com a cidade: basta colher algumas amostras das águas que circulam nos cursos urbanos para se saber como anda a saúde da cidade.
A título de exemplo está a Região Metropolitana de Curitiba, caracterizada por suas abundantes áreas de manancial, pelas nascentes de importantes rios, pelas várzeas do Rio Iguaçu e, como se não bastasse, o Aquífero Karst, uma das maiores reservas de água subterrânea do planeta. Em contraste, já somos quase quatro milhões de habitantes vivendo neste pedaço do Paraná e pressionando diuturnamente os recursos naturais. Dito de outra maneira, cerca de um terço da população está vivendo em menos de 10% do território do Estado.
Como resultado direto desta concentração humana e da insuficiência de saneamento está a contaminação de diversos cursos d’água, desde os pequenos até o Iguaçu, além daqueles sacrificados pelo lançamento de efluentes industriais, evidenciando a falta de consciência da população por um lado e a inércia do Estado por outro, além dos chamados acidentes ambientais cada vez mais frequentes.
Na outra ponta está o consumo crescente da mesma água, que tem de ser cada dia mais tratada, com altas doses de caros produtos químicos para chegar potável aos “clientes” do serviço público de saneamento. O que está em jogo não é somente a vida das gerações vindouras, mas a vida, a saúde e o bem-estar da presente.
É típico do Estado Brasileiro, e o Paraná não é diferente neste aspecto, a prática de atacar as consequências ao invés de ir às causas do problema. Assim o Estado e as empresas encarregadas gastam muito mais para “limpar” a água que vem poluída dos rios do que para preservar as fontes, não obstante a criação de algumas Áreas de Proteção Ambiental – APA’s – que tem cumprido bem a função de ordenar a ocupação e prevenir a contaminação.
Também o formalismo jurídico-ambiental e a falta de política ou de implementação da mesma impedem o rompimento do ciclo de degradação das águas que se dá com as invasões desenfreadas de áreas vulneráveis e margens de rios, que ocorrem do dia para a noite e demoram anos para serem resolvidas com grande investimento de dinheiro público em realocações de famílias, regularizações fundiárias e construção de conjuntos habitacionais, geralmente após as enchentes e inundações que atingem primeiramente essas populações sem acesso à moradia digna.
E, como se não bastasse, o sistema jurídico atribui ao Município grande parte da responsabilidade pelo saneamento básico, que inclui distribuir água potável para a população urbana e coletar e tratar o esgoto. Se não houver educação para a sustentabilidade e redução das desigualdades sociais absurdas não haverá nunca dinheiro público suficiente para despoluir, pois na medida em que se soluciona uma situação outras duas ou três se formam.
Ao invés de se gastar milhões para despoluir os rios das grandes cidades, que depois são novamente poluídos pelo contínuo despejo de lixo, não seria mais barato educar para a cidadania ambiental? Não raras vezes se prefere o caminho da responsabilização civil e até criminal daqueles que maculam as águas, cujos resultados são inexpressivos para a melhoria das condições socioambientais. A legislação ambiental de caráter meramente proibitivo e restritivo não alcançou e não alcançará os resultados que alguns ainda esperam.
Ainda que não se ignore o evidente desperdício, mais do que uma equação quantitativa, de disponibilidade hídrica, é preciso cuidar da qualidade deste precioso e mal tratado bem. Educar para formar consciência ambiental é o caminho mais seguro, econômico e eficaz para vencer o desafio de salvar a água nossa de cada dia e garantir às gerações futuras vida saudável.
Salve o dia da água!
*Edson Luiz Peters é advogado e consultor na AmbienteJuris Soluções Ambientais, ex-promotor de Justiça de Meio Ambiente, professor de Direito Ambiental, autor de diversas obras jurídicas, Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).