*Por Edson Luiz Peters
Cada vez que muda o Governo e uma nova equipe assume o comando do Ministério do Meio Ambiente e se observa uma mudança de rumo ideológico e, consequentemente vem uma nova regulamentação (novos Decretos, Portarias, Resoluções, etc) traduzindo e impondo a vontade dos novos gestores, como se o meio ambiente fosse uma questão de governo e não uma Política de Estado.
Uma das mudanças que repercutiu logo nos primeiros dias foi acabar com a Audiência de Conciliação Ambiental, como se fosse essa audiência uma porteira aberta para a impunidade dos infratores ambientais e, portanto, uma decisão perversa do governo que saiu.
Quais são as consequências, afinal, desta decisão? O que muda para o autuado e para o meio ambiente? É disso que se vai tratar neste artigo de opinião. Primeiro vale recordar brevemente o que significa uma audiência e os diversos tipos de audiência que temos no Brasil.
Existem diversos tipos de audiência nos campos político e jurídico-processual, mas todas tem um objetivo comum: escutar e ser escutado. Podem ser para resolver um processo individual (ouvir testemunhas) ou um processo de interesse coletivo, como uma audiência pública que visa inteirar a sociedade sobre determinado assunto e propiciar discussão, debates e esclarecimentos.
Pode ter caráter deliberativo, com a participação social, quando ao final se colhem as opiniões e votos dos presentes e se decide num sentido ou outro, ou pode não resultar em decisão alguma, como é o caso da audiência pública ambiental no processo de licenciamento ambiental.
A audiência pública, que nada tem a ver com a audiência de conciliação ambiental, é uma conquista democrática da sociedade brasileira, um canal de
participação e de construção da cidadania.
Aqui chamamos atenção para um tipo específico de audiência: aquela que foi criada dentro do processo administrativo nascido a partir de uma autuação da fiscalização ambiental. Foi isso que fez o Decreto nº 9.760, de 11 de abril de 2019 ao criar uma nova fase no processo sancionatório denominada audiência de conciliação ambiental, coordenadas ou presididas por Núcleos de Conciliação Ambiental, igualmente criados pelo mesmo ato.
Ambos institutos tiveram vida curta e foram extintos pelo recente Decreto nº11.373, publicado em 1º de janeiro de 2023, primeiro dia do novo governo federal.
Nos discursos pronunciados por representantes deste novo governo eleito para administrar o Brasil e seus interesses e riquezas naturais se observam críticas ligeiras ao modelo adotado para gerir os conflitos de caráter ambiental, bem como a alguns institutos e normas introduzidas no sistema jurídico.
Uma parte da crítica se dirige a audiência de conciliação, inserida na ordem institucional pelo Decreto nº 9.760, de abril de 2019, pelo governo anterior, como se se tratasse de uma negociação espúria. Sem dúvida alguma, o Estado, enquanto poder público, tem uma grave e
indeclinável missão a desempenhar no campo ambiental, ainda que não seja o único ator ou responsável exclusivo pela execução da política ambiental.
Inobstante não seja o “dono” dos recursos naturais ou do ambiente, cujo titular é a sociedade, o Estado tem sim o monopólio da gestão pública ambiental, a começar pela União, a quem cabe apenas diretrizes gerais, depois os Estados, que cumprem a maior parte da tarefa do poder de polícia ambiental e finalmente os Municípios, que gradualmente estão assumindo essa delicada gestão.
Desde que se construiu uma Política para o meio ambiente no Brasil e um Sistema de órgãos para cuidar disso, nunca se proibiu e sempre existiu uma
margem de negociação na gestão dos interesses e dos processos de licenciamento e fiscalização, que por vezes se desvirtuou na corrupção.
É bom que se diga que onde há fiscalização pode haver corrupção, dado o poder e a margem de discricionariedade outorgada aos agentes fiscais. Daí porque os órgãos ambientais devem desenvolver o devido processo legal e respeitar plenamente a ampla defesa e o contraditório, quando não raras vezes se constatam erros, desvios e abuso do poder fiscalizatório.
A audiência prévia e de conciliação pode ser uma oportunidade de se evidenciar equívocos de ordem formal e até material e sanear-se ou anular-se o Auto de Infração viciado.
Se por um lado é lamentável que a experiência seja interrompida precocemente, por outro lado nada muda na prática, pois não havia audiência (escuta) do autuado e muito menos possibilidade de conciliar e negociar a melhor forma de reparar-se o dano.
Servia apenas para perguntar ao autuado se aceitava um desconto para logo pagar a multa, renunciando à defesa e ao contraditório, como quem diz: pague e não discuta. Ou, em outras palavras, “assume logo que está errado”, dando a entender que a fiscalização sempre tem razão.
Ou se aceitava pagar a multa lançada no Auto de Infração com algum desconto ou se encerrava considerando frustrada a audiência, daí abrindo-se prazo para a defesa.
Nesses moldes a audiência de conciliação ambiental era apenas uma formalidade perfeitamente dispensável, pois como se tratava apenas de oferecer
a opção de aceitar e pagar sanção pecuniária (multa) sem discutir e de forma antecipada. Para isso não precisa de audiência mesmo, bastaria ou basta comunicar o autuado, que tendo interesse pode se manifestar pelos diversos meios disponíveis sobre seu interesse em pagar (com desconto) e não discutir.
Esse sistema punitivo que se satisfaz com o pagamento de multa já se mostrou insuficiente e incapaz de oferecer à sociedade, titular do direito ambiental, uma resposta inteligente e interessante, que represente ao mesmo tempo uma reflexão que resulte em educação, com a elevação da consciência individual, por um lado, e por outro a reparação do prejuízo causado ao equilíbrio e ao patrimônio ambiental, que é o que mais interessa.
A sanha arrecadatória de multas não se traduz em melhoria ambiental, não desperta a consciência e não realiza Justiça nesta seara. Não se trata de deixar de responsabilizar aqueles que agem com ganância, com má fé e até de forma criminosa, se enriquecendo às custas da exploração ilícita
de recursos ambientais e sociais, mas de se adotar uma postura de prevenção, de educação e de recuperação do ambiente, aliada à construção de uma sociedade mais sustentável e justa.
Extinguir os Núcleos de Conciliação e as audiências é medida, por si só, absolutamente inócua. Diga-se, de passagem, que alguns órgãos ambientais nem sequer estruturaram de forma adequada os Núcleos encarregados dessas audiências, apenas improvisando com alguns servidores e estagiários para “cumprir tabela”, sem treinamento e qualificação para atender e responder as questões levantados por autuados e advogados.
Em conclusão nada muda para o autuado, reduz o tramite processual e o trabalho de organização das audiências, continua existindo a possibilidade de pagar a multa com desconto e abrir mão de se defender e discutir, com o encerramento do processo administrativo com a quitação.
Deve até acelerar o processo administrativo sancionatório com a queima de uma etapa, resolvendo-se com celeridade os casos e recuperando o que precisa ser recuperado, ao invés de apenas aplicar multas.
O que importa é isso: que se dê uma resposta célere ao autuado e à sociedade, sem demora e sem deixar de obedecer aos princípios norteadores do processo.
A questão vai muito além da burocracia estatal e processual e dos órgãos ambientais emperrados e morosos, cuja lentidão prejudica o meio ambiente e favorece os poluidores e corruptos, em nada contribuindo para o desenvolvimento econômico saudável consagrado na Constituição do Brasil.
*Edson Luiz Peters é advogado e consultor na AmbienteJuris Soluções Ambientais, ex-promotor de Justiça de Meio Ambiente, professor de Direito Ambiental, autor de diversas obras jurídicas, Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).